sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Por que tu Battisti?


Senadores e deputados visitaram o ex-ativista italiano Cesare Battisti, no presídio da Papuda, em Brasília
Cesare Battisti (Sermoneta, 18 de dezembro de 1954) é um escritor italiano, antigo membro dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo armado de extrema esquerda, ativo na Itália no fim dos anos 1970 - os chamados anos de chumbo - período marcado por ataques terroristas de organizações da extrema esquerda e da extrema direita.

Em 1987, Battisti foi condenado pela justiça italiana à prisão perpétua, com privação de luz solar, pela autoria direta ou indireta dos quatro homicídios atribuídos aos PAC - além de assaltos e outros delitos menores, igualmente atribuídos ao grupo. O governo italiano considera Cesare Battisti um ex-terrorista. No entanto, Battisti se diz inocente.

Refúgio no Brasil

Em 18 de março de 2007, é detido no Rio de Janeiro, durante uma operação conjunta que envolveu a Interpol e as polícias brasileira, italiana e francesa. Em 28 de novembro de 2008 o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão responsável por julgar casos de asilo em primeira instância, rejeitou, por três votos a dois, seu pedido de refúgio no Brasil. Em dezembro de 2008, a defesa de Cesare Battisti recorreu ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, conforme orienta o artigo 29 da Lei 9474/97. A resposta ao recurso foi publicada em janeiro de 2009, num arrazoado de treze laudas, sendo favorável à concessão do status de refugiado político ao ex-militante. A decisão gerou controvérsia, que ocupou os meios de comunicação internacionais, particularmente dos três países diretamente envolvidos no caso - Brasil, França e Itália. A decisão do ministro baseou-se na tese de "fundado temor de perseguição por suas ideias políticas", argumento indispensável para reconhecer a condição de refugiado político, como prevê o artigo 1º da mesma lei.

Argumentos a favor da extradição

Setores favoráveis à extradição creem que Battisti seja culpado dos crimes que lhe são imputados, e que a democracia italiana tenha sido capaz de julgá-lo com a conveniente neutralidade, conforme reconhecem o governo da França, a Corte Europeia de Direitos Humanos e o CONARE. Comenta-se que a decisão do governo brasileiro esteja ligada à influência de ex-guerrilheiros ou simpatizantes da esquerda no Governo Federal - entre eles o Ministro da Justiça - os quais tenderiam a favorecer a concessão de refúgio a Cesare Battisti.

Em carta entregue à agência ANSA, dois ex-companheiros de Battisti, Sebastiano Masala, Giuseppe Memeo e a viúva de um terceiro, Gabriele Grimaldi, todos condenados pelos mesmos quatro homicídios que valeram a Battisti a condenação à prisão perpétua - classificam como "infames" as acusações de serem "arrependidos". "Fomos condenados e pagamos pelos acontecimentos dramáticos nos quais estivemos envolvidos há 30 anos. Não negociamos nossa liberdade em detrimento dos outros. Consideramos abjeto o fato de Battisti nos tratar de arrependidos", declararam os dois ex-integrantes do Proletários Armados para o Comunismo. Um quarto homem, um "arrependido" - que foi beneficiado com uma redução da pena em troca da colaboração com a justiça - não assinou a carta.

Especula-se também que, em sua recente visita ao Brasil, o presidente francês Nicolas Sarkozy tenha solicitado ao presidente Lula a concessão de refúgio a Battisti, aventando-se a possibilidade de que a posição do governo francês quanto ao caso tenha sido modificada por influência da primeira-dama, Carla Bruni, italiana de nascimento. Esta, porém, desmente tudo, dizendo-se "surpresa" pelo crescimento de tal boato.

Em 5 de fevereiro de 2009, o Parlamento Europeu aprovou resolução de apoio à Itália e realizou um minuto de silêncio, por sugestão da deputada Roberta Angelilli, do Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos), pelas vítimas dos assassinatos.

Argumentos a favor do refúgio político

Já os defensores da decisão do governo argumentam que - à diferença da legislação francesa, por exemplo - na Itália, Battisti não teria direito a novo julgamento, mesmo tendo sido condenado à prisão perpétua, à revelia, com a ajuda da delação premiada, e apesar das alegadas falhas técnicas no processo. Afirmam haver uso político do caso, por setores interessados na manutenção de uma legislação excessivamente dura, concebida no auge da ação de grupos armados, que ameaçavam a ordem social e política na Itália - isto é, há mais de vinte anos. Destacam também que o governo italiano julgou crimes claramente políticos como crimes comuns, numa suposta manobra para dar base jurídica a pedidos de extradição. Esta tese é atestada pelo próprio ministro do Interior italiano daquela época, Francesco Cossiga, em carta datada de fevereiro de 2008. Na carta, Cossiga declara que havia na ocasião um acordo para "fazer passar os subversivos de esquerda e os subversivos de direita como simples terroristas, ou absolutamente como criminosos comuns"., Finalmente, sustentam, com base na conduta de Battisti nos países onde viveu desde que deixou a Itália, que o escritor não é um perigo para a sociedade.

A decisão do Ministério da Justiça foi defendida por Dalmo Dallari, professor emérito da Universidade de São Paulo. Eduardo Carvalho Tess Filho, presidente da Comissão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil e Durval de Noronha Goyos, especialista em Direito Internacional, afirmaram, sem entrar no mérito do caso de Cesare Battisti, que o governo brasileiro tem a prerrogativa de oferecer refúgio em casos análogos.

Em parecer emitido no dia 3 de abril de 2009, aprovado pela Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o jurista José Afonso da Silva, respeitado constitucionalista brasileiro, conclui que a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder a condição de refugiado a Cesare Battisti foi constitucionalmente legítima, sendo "um ato da soberania do Estado brasileiro" . Sustenta o jurista que "nos termos do art. 33 da lei 9.474, de 1997, fica obstada a concessão da extradição, o que implica, de um lado, impedir que o Supremo Tribunal Federal defira o pedido em tramitação perante ele, assim como a entrega do extraditando ao Estado requerente, mesmo que o Supremo Tribunal Federal, apesar da vedação legal, entenda deferir o pedido". O jurista emitiu o parecer apenas sobre a legitimidade da decisão, não se pronunciando quanto ao mérito (ou seja, sobre a questão substancial que constitui o objeto do processo).

O deputado do Pompeo de Mattos (PDT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, afirmou que "ao conceder refúgio político a Cesare Battisti no Brasil, o Estado brasileiro age em inequívoca consonância com nossa Carta Magna, que veda a extradição motivada por crimes políticos e estatui que, neste país não haverá penas de morte ou de caráter perpétuo".

O senador Eduardo Suplicy, um dos defensores de Cesare Battisti, entregou pessoalmente ao STF uma carta do italiano, na qual o ex-militante reconhece ter participado de movimentos armados subversivos na década de 1970 e admite, inclusive, a participação regular em roubos de bancos; nega, contudo, qualquer participação ativa nos homicídios pelos quais foi condenado.

O Ministério da Justiça recebeu um documento com 89 assinaturas de professores universitários, escritores, representantes de organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos, manifestando apoio à sua decisão..

Na Itália, a associação Antigone, que declara ter o objetivo de defender direitos e garantias no sistema penal europeus, declarou apoiar a decisão do governo brasileiro de conceder asilo político ao ex-militante. Segundo o presidente da organização, Patrizio Gonella, a Itália ficou famosa no exterior por uma legislação de emergência, imposta durante os anni di piombo (período compreendido entre o pós-1968 e o início da década de 1980).

Segundo eles "as penas durante os anos de chumbo eram desproporcionais". E ainda: "A Itália tinha e tem uma legislação de emergência que a tornou tristemente célebre no exterior. Uma pena aplicada 30 anos depois do fato torna-se vingança. Além disso, existe na Itália um regime de cárcere duro para acusados de terrorismo - o 41 bis - que até a juíza federal norte-americana D.D. Sitgraves considera estar no limite da tortura", disse o presidente da Antigone. A citação da juíza Sitgraves ganha interesse quando se sabe que a referida senhora, que atua no julgamento de casos de deportação, foi, estatisticamente, bem mais severa do que a média entre seus pares - média que corresponderia ao padrão geral de tolerância vigente na era Bush, pós 11 de setembro, nos casos de imigração ilegal.

Na França, o movimento de, solidariedade a Battisti existe desde em 2004, quando foi feito o segundo pedido de extradição - atendido - às autoridades francesas. A iniciativa conta com a adesão de vários intelectuais e personalidades do mundo da cultura e da política do país, dentre os quais, Bernard-Henri Lévy (autor do prefácio ao último livro de Battisti, Ma Cavale) e os escritores Serge Quadruppani e Daniel Pennac. Nos últimos anos, Cesare Battisti recebeu o apoio, inclusive econômico, da escritora francesa Fred Vargas. Ela é autora do livro La Vérité sur Cesare Battisti ("A verdade sobre Cesare Battisti"). No dia em que ele foi preso no Rio de Janeiro, seu telefonema para a casa de Vargas, em Paris, teria sido rastreado pela polícia brasileira.

A publicação Amnistia.net afirma também que as enormes pressões exercidas pela Itália no caso Battisti não se verificam quando se trata de procurar ex-militantes da extrema-direita italiana - que, no seu entendimento, era uma direita golpista e intimamente ligada às agências do estado.
O caso de Cesare Battisti também é motivo de preocupação nas Nações Unidas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) enviou documento ao Supremo Tribunal Federal, alertando que caso Battisti pode incentivar reabertura de antigos processos de extradição em outros países, caso o Brasil descumpra a regra prevista na Convenção da ONU de 1951, que impede a extradição de refugiados. Teme-se que a instituição do refúgio seja debilitada.

"O ACNUR prevê que a decisão que vier a ser tomada neste caso pode influenciar a maneira pela qual as autoridades de outros países aplicam a definição de refugiado e lidam com casos de extradição que envolvam refugiados reconhecidos formalmente," disse o representante do órgão no Brasil, Javier López-Cifuentes, em documento encaminhado aos ministros do STF.

O alerta partiu inicialmente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão do Ministério da Justiça. Em documento encaminhado aos ministros do Supremo, o Conare diz que uma decisão do Supremo pode estimular outros países a recorrer ao Poder Judiciário para pedir a extradição de outros refugiados. O Conselho avalia que o STF não tem competência para avaliar se esses refugiados sofrerão perseguição política ou motivada por fatores raciais, étnicos ou religiosos, em seus países. Cabe aos ministros do Supremo analisar apenas as questões técnicas legais - não os fatos que levaram à concessão do refúgio. Hoje, os países não apelam às Cortes Supremas porque a lei impede a entrega de refugiados e determina que processos de extradição sejam arquivados quando há o reconhecimento do refúgio pelo Poder Executivo.


Caso Battisti: Itália convoca seu embaixador no Brasil

Diplomata foi chamado para consultas, diz chancelaria italiana

A Itália vai chamar para consultas seu embaixador no Brasil, Gherardo La Francesca, depois da decisão do presidente Luiz Inacio Lula da Silva de não extraditar o ex-militante de extrema-esquerda Cesare Battisti, anunciou nesta sexta-feira , em Roma, o ministério das Relações Exteriores



Parlamentares prestam apoio a Cesare Battisti

Parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Senado visitaram, na tarde desta terça-feira 17, o ex-ativista italiano Cesare Battisti, na penitenciária da Papuda, em Brasília. Integraram a comitiva, que defende a libertação de Battisti, os deputados Ivan Valente (SP) e Chico Alencar (RJ) e o senador José Nery (PA).

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"Anarquista é, por definição, aquele que não quer ser oprimido, nem deseja ser opressor; é aquele que deseja o máximo bem-estar, a máxima liberdade, o máximo desenvolvimento possível para todos os seres humanos." Errico Malatesta